PONTO DE VISTA:

Por Aristides Oliveira, membro da UPUPI.

Contatos de 4ª Grau: a ufologia aponta para a coruja?

O cinema a cada dia dialoga e problematiza as fronteiras entre ficção e realidade, mistura marcada pela experiência em confrontar esses “universos” a fim de provocar novas sensações no espectador.

Podemos dar dois exemplos recentes desse tipo de gênero com o filme considerado por muitos críticos o “divisor de águas” no gênero terror contemporâneo: “Bruxa de Blair” (1999) e o fast-food-film “Atividade Paranormal” (2009), que levou milhões de espectadores à insônia.

Este tipo de gênero se baseia numa proposta fake-marketing, onde são lançados uma série de boatos boca-boca, bem como a própria produção do filme divulga em sites e trailers a “polêmica” torno do mesmo. Clichês como: “baseados em fatos reais”, “a fita foi encontrada junto com o corpo da vítima”, “proibido em 180 países”, “pense bem antes de assistir”, fazem parte de um mercado audiovisual que lucra em torno de “verdades” falseadas para atrair o público de forma impactante.
Com a ufologia não foi diferente. Ano passado (2009) tive a oportunidade de conhecer o filme “Contatos de 4ª Grau”, dirigido por Olatunde Osunsanmi. Com repercussão muito tímida no Brasil e nos Estados Unidos, foi duramente criticado por internautas-cinéfilos-críticos de cinema, onde o filme passou despercebido no grande circuito do cinema.

Acredito que esse filme não faz parte dos grandes clássicos pop da ufologia mundial, pois o estilo não seduz a todos, sua postura (pra mim, madura em torno do tema Abduções, mas ácida perante nossa condição de apatia diante dela) impede que ele entre na vala da superficialidade de “homenzinhos verdes” e naves norte-americanas derrotando “lagartos-marcianos”, salvando todos do desastre cósmico.
O fake-history conta a vida da Dra. Abigail Tyler (que é uma personagem, não existem registros de sua existência, aliás essa moça despenteada é Melora Walters), interpretada por Milla Jovovich que “dramatiza” a experiência da psicóloga com abduções nos anos 2000 em Nome, cidade localizada no Alasca.
O filme inicia com a própria Milla alertando a “veracidade” da história a ser narrada (para o espectador atento: “entrega o jogo de primeira”, mas teve gente que acreditou no papo em plena era da Informação), afirmando que o diretor usa trechos “reais” das 65 horas de filmagem em vídeo realizadas pela doutora na pesquisa com seus pacientes juntamente com o “filme-reconstituição”.

Outro ponto interessante é a afirmação de que as pessoas envolvidas diretamente com o fenômeno extraterrestre estão com seus nomes subtraídos e sua reputação protegida, informação que contradiz com as “filmagens” dos mesmos no filme, aparecendo claramente seus rostos e experiências ditas “reais”.

Assim, o trabalho de Osunsanmi é caracterizado como um documentário-reportagem, no qual Abigail Tyler é entrevistada e convidada a relatar os fatos marcantes dos casos investigados e vivenciados por ela, onde o filme faz a retrospectiva das histórias inconclusas das personagens-vítimas, abduzidas durante a noite em Nome.

Somos transportados para um mundo obscuro de pessoas supostamente seqüestradas por seres alienígenas, mas que as mesmas não conseguem compreender o que vem acontecendo nas péssimas noites de sono, no qual são acordadas pela madrugada (cerca de 3h33min da manhã) e levadas para o interior de naves, sofrendo experiências com os aliens.

Todas as vítimas são perseguidas pela imagem de uma coruja, simbolizando um encobrimento das verdadeiras práticas realizadas nas abduções, como um lapso de memória relatada em vários casos ufológicos não-confirmados cientificamente. Seria a coruja de Nome a mesma que sobrevoa a atual ufologia?

Desse modo, a psicóloga, - que se descobre envolvida visceralmente na trama após a morte de seu marido – busca respostas concretas para compreender o fenômeno e aliviar a dor de seus pacientes em vias do desespero (vale lembrar a cena da morte de um paciente que, em pleno momento de horror, massacra toda família, em uma montagem que merece meus créditos).

Não conseguindo resultados concretos, a psicóloga recebe ajuda de um amigo que, por sua formação acadêmico-científica, não consegue aceitar a ligação dos fenômenos com a temática alienígena, mas esforça-se para fazer as devidas ligações entre a ciência-ufologia, alimentando o diálogo tenso entre as fronteiras ainda tão problemáticas, da aceitação do público e da academia (com devida razão).

Para compor o grupo investigativo, Abigail convoca um historiador especialista em língua suméria para interpretar as gravações em que o áudio das mesmas se aproxima com o idioma morto há séculos. A luta para encontrar a chave de todo mistério fica cada vez mais distante, pois o enigma das abduções reina no campo mental, bloqueado pelo fantasma da “coruja”, que aos poucos é precariamente solucionada através do auxílio de equipamentos eletrônicos e audiovisuais, deixando na penumbra uma materialidade distorcida.

Essa coruja me incomodou bastante, pois não só de lapso temporal que vivem as supostas vítimas de abdução, mas os próprios ufólogos, perdidos na falta de explicação para o fenômeno e castrados metodologicamente, assim somos atualmente, conscientes da presença da coruja, mas sem aptidão para adentrar no seu sistema de compreensão.
A ufologia, apesar de viver uma fase em que os pesquisadores estão cada vez mais distantes de uma “resposta” que convença a opinião pública (como podemos ver no filme), se esforça no diálogo com outros meios e suportes na busca de compreender os rastros deixados pela suposta presença alienígena, mas ainda as falhas e desvios se repetem (um debate que não cabe aqui, pois persiste no cotidiano de cada um que pesquisa ufologia), aumentando o descrédito perante a sociedade.
O filme expõe a dificuldade dos estudiosos em registrar as entrevistas e principalmente, no mergulho do inconsciente das vítimas da abdução, que a cada hipnose, fica mais clara a impossibilidade de obter dados que confirmem a teoria em torno dos seqüestros alienígenas.
Suas limitações podem ser transportadas para o metier do pesquisador ufológico, que experimenta a risca uma série de meios, mas navegam na espuma do problema, sem análise crítica dos dados obtidos, é o que podemos ver no filme, a incapacidade presente em lidar com o complexo fenômeno.

Apesar das críticas em torno do filme ser um fake-history, o que nos serve de lição é que a ufologia está bem representada neste trabalho: poucos ufólogos lutando contra as limitações técnicas em antagonia com uma grande corja empresiarial que vende mentiras  “a torto e direito”, para sobreviver nas publicações mensais de revistas de história-quase-em-quadrinhos e, principalmente, a metodologia até hoje inexistente , com diálogos forçados em torno de uma pseudo-interdisciplinaridade.

Acredito que a experiência que tive ao assistir “Contatos de 4ª Grau” resume a situação de todos nós, que ainda acreditamos numa ufologia séria: o reconhecimento de que estamos olhando de longe para uma coruja que nos espia e aprisiona... e dá um leve sorriso irônico de canto de bico.


Em 03 de julho de 2010.